Paulo Corrêa de Luca

A roda que nunca gira: a da política

Dizem que o Brasil é o país do futebol, do samba, da caipirinha. Mas, quem já viveu mais de dois ciclos eleitorais por aqui sabe: atualmente o verdadeiro esporte nacional é a eleição. De dois em dois anos, como um relógio suíço quebrado — e ainda assim mais confiável que muitas promessas de campanha — somos convocados às urnas. Votamos. Desabafamos. Esquecemos. E repetimos.
A frequência com que elegemos políticos não significa que a democracia anda trabalhando intensamente — pelo contrário. No Brasil, neste intervalo trocamos de peças no tabuleiro, mas o jogo é sempre o mesmo. É como trocar os pneus de um carro que continua atolado. A roda da política não gira, só patina.
Enquanto o eleitor tenta lembrar o nome do vereador em quem votou (já adianto: a maioria também não lembra do eleitor), os políticos profissionais seguem com uma única missão: manter suas bases E não, não são as bases ideológicas, pragmáticas ou de princípios. Entendam aqui como conceito de bases eleitorais, aquelas construídas com cargos, emendas, favores, promessas e um cafezinho em troca de apoio. É a arte de garantir que o próximo mandato já comece antes mesmo do atual fazer sentido, se é que algum dia fez.
Estamos prestes a adentrar em mais uma eleição majoritária, logo após as proporcionais — aquelas que elegem prefeitos e vereadores, as peças mais invisíveis, porém fundamentais na engrenagem da velha política. São eles que pavimentam o caminho para deputados estaduais, federais, senadores e governadores. E, veja só, todos eles são os tijolos que sustentam um eventual presidente. Um dominó de vaidades, onde a última peça cai sempre no colo do povo. E o povo, cai em cima do mandatário da federação, seja ele quem for. Afinal, a culpa sempre será do presidente da república.
E no meio disso tudo, o país, que deveria discutir reformas estruturais, prefere alimentar o teatro político. Reforma tributária? Previdência justa? Redução das desigualdades? Discutem-se menos que o último eliminado do BBB. A pauta real é poder. E quando se fala em poder, ideologia é só uma fantasia de carnaval.
Antes fosse uma discussão de ideias, respeitadas e aceitas por mais que não se concorde. Mas não, é só o bom e velho conchavo. O passado político de um candidato? Irrelevante. Se ontem era Partido Socialismo e Liberdade, ou PSOL, como queiram, hoje já se diz “de direita, conservador e liberal desde guri”. Mas pergunte sobre as ideias de John Locke, Adam Smith ou Edmund Burke. Talvez ele te agrida. E no dia seguinte, quem sabe, PL com uma pitada de PSD. O que importa é estar com quem manda, não com o que se defende. Afinal, coerência não elege ninguém, mas um bom acordão com cargos na prefeitura pode render um bom número nas urnas.
Quer um exemplo? Florianópolis, a cidade “mais inteligente” do Brasil — pelo menos é o que dizem — vive uma prévia animada do que será o seu próprio carnaval eleitoral. Um nome forte da prefeitura que já esteve no PSOL, e até candidato a vice-prefeito foi, partido que teoricamente defende o fim da propriedade privada e a luta contra o imperialismo, se tornou o pré-candidato abençoado pelo atual prefeito (o qual votei) para a Assembleia Legislativa do Estado, aquele que, ao que tudo indica, acredita, ou acreditava, que "socialismo democrático" é nome de curso online de autoajuda.
O apoio do prefeito virou selo de qualidade. Só que política, como sabemos, é mercado. E mercado exige concorrência. Então surgem outros nomes, outras figuras conhecidas, outros interessados. E, claro, para acomodar aliados, começam os desmontes. Fontes ligadas à prefeitura já dão como certa a fritura de um personagem tradicional da política local. A roda gira? Não. Mas os conchavos se reciclam para que se entenda quem é o nome que o prefeito quer como seu na Alesc.
No meio dessa dança de cadeiras — ou seria samba do político doido? — o povo assiste. Alguns até tentam participar, mas logo percebem que o ingresso para esse baile é caro e exclusivo. O samba continua, mesmo quando o enredo enjoa. A diferença é que, nesse desfile, mesmo os que têm o nome citado em investigações seguem na avenida. Inocentes até que se prove o contrário. E o eleitor, muitas vezes, prefere o duvidoso ao desconhecido. Afinal, vai que piora.
E assim seguimos. A roda não gira, mas faz barulho. E esse barulho, meu caro, é a trilha sonora de um país onde a política é o único carro alegórico que desfila o ano inteiro — e sempre no mesmo lugar.
Então, não deixe o samba morrer....
COMENTÁRIOS